Encontrando a Felicidade

Na sua opinião, qual seria o motivo que ainda leva uma pessoa a sentir uma tristeza profunda e inexplicável mesmo tendo dedicado muito tempo às práticas e aos estudos da vida espiritual?

 Existem dois principais tipos de tristeza. Uma estará relacionada com os desencontros ou decepções, quando estamos identificados com as atividades e resultados das ações conduzidas pelo ego falso. A outra tristeza é salvadora da vida do vaisnava. estimula-o a buscar o seu verdadeiro coração que encontra-se escondido. Esse coração sente-se nutrido e satisfeito somente quando está em contato com sua fonte de felicidade que se encontra na presença de Krsna, Deus. Desde a criatura mais pequena até os semideuses do céu, todos estão ocupados na constante busca por felicidade e eternidade. A jiva, alma, mesmo em seu estágio condicionado no plano material sempre perseguirá esses dois elementos: felicidade e eternidade. Ela sente, em seu íntimo, que para a sua existência ser completa necessitará encontrar esses elementos. As alegrias que às vezes desfruta sinalizam para a alma perceber a existência de uma fonte original de felicidade infinita. A felicidade constante e extática será possível quando sua natureza for independente dos estímulos do mundo externo. Os acontecimentos desse mundo exterior poderão apenas proporcionar alegrias e prazeres finitos, que sempre serão seguidos de frustração e tristeza. Devido a tais fatores, a meta de felicidade do vaisnava é oposta a da maioria das pessoas. Ele não deseja enganar-se com o esforço de preencher a vida com eventos de alegria que mal satisfazem o ego inferior e desvia sua atenção da felicidade real, esta que é uma faculdade do seu verdadeiro coração.

 Quando a alma experimenta um breve contato com Krsna, que é o manancial de felicidade, descobrirá uma bem-aventurança que a despertará para o seu encontro com ele. Mesmo que a jiva não esteja consciente disso, em sua constituição sempre estará a sua herança dos genes de felicidade e plenitude espiritual. Estas faculdades da eternidade e felicidade são como um "Sol" que perenemente habita a zênite do coração da alma. Para que seu calor e brilho sejam percebidos será necessário que as nuvens dos sentimentos e desejos nocivos sejam dissipadas pela vontade do vaisnava. Posterior a essa maravilhosa descoberta, ele realiza que a felicidade ilimitada também possui um reino eterno além dos grilhões desse universo mutável. Este lugar divino estará sendo mantido pelo coração de Krsna e por aqueles que O amam. Embora seja portador dessa herança, ainda assim, o sadhaka poderá sentir-se infeliz e concluir erroneamente que essa bem-aventurança espiritual somente virá quando ele for eleito ao reino de Goloka Vrindavana. Assim ele pensa: "Enquanto permanecer aqui neste mundo material, certamente estarei num ambiente desfavorável, pois aqui minha vida espiritual se torna impraticável." É certo que enquanto ele assim acreditar, a infelicidade e a insatisfação o perseguirão até que ele atinja a morada divina. Fundamentada nesses conceitos, sua vida se torna um peso e, às vezes, ele se vê na angustiante espera pela morte do seu corpo físico para que possa ser feliz no mundo espiritual. Com esse conceito aleijado, ele se afasta da felicidade espiritual e do verdadeiro coração. Desestimulado, aos poucos, ele perde a vontade amar e servir nesse plano e vai se afastando do gosto pela vida espiritual, do serviço amoroso a Radha-Krsna, ao guru, aos vaisnavas e às almas adormecidas. Confinado nesse humor, ele esquece que nossos gurus já trouxeram a ocupação eterna de nossas almas, que é o amor, essa faculdade que quando é descoberta eleva o sadhaka ao amor a Deus, garantindo sua vitória. Mas quando o sadhaka se entrega ao desânimo e decide esperar por um futuro melhor - mesmo que seja no mundo espiritual - para exercer sua vida espiritual, ele seguramente sofrerá e levará uma vida interior muito triste. Nossos gurus não descenderam a este plano com o pobre propósito de nos apresentar as belezas e riquezas espirituais apenas para a nossa contemplação momentânea e fugaz, sem que a desejássemos realizá-las em nossas vidas. Esse também é outro conceito que prejudica o sadhaka, levando-o à triste conclusão que sua busca espiritual é mais uma forma de auto-tortura do que o sentido maior de sua vida. Sri guru e Gauranga nunca deram tal menosprezo a nossas almas. Por muitas vidas ele insistem em nos chamar para com eles vivermos na plenitude espiritual. Conceitos infelizes conduzem o humor de muitos vaisnavas, fazendo-os fugir das realizações e vivencias por acreditarem que as terão num futuro muito distante. Por causa desses e de tantos outros conceitos errôneos é que o devoto na busca por felicidade, passa da renúncia à exploração, pulando de um lado a outro sem obter o sucesso desejado. O sadhaka nunca precisará esperar por uma época mais propícia ou mais auspiciosa para praticar sua reforma íntima e ser feliz. A lila de Krsna é ininterrupto e se realiza no agora. Vrindavana, além de ser um lugar, é o estágio superior da consciência amorosa que o vaisnava atinge. Nossos gurus não vieram a este plano para torturar-nos com a expectativa de um futuro melhor. Bhakti é para ser entendida, pratica e realizada agora, porque a natureza da alma não é a de esperar e sim de experimentar. Mesmo no estágio inicial de sua vida espiritual, o sadhaka já poderá experimentar ou vivenciar tudo o que estiver disposto ao seu alcance. se não estivermos ocupados com a nossa reforma íntima, certamente estaremos ocupados com a antiga índole do ego inferior. O agir é inevitável. Na existência mundana, os motivos que hoje nos dão alegria e prazeres serão os mesmos que nos farão descontentes no futuro, indício claro que a felicidade real não é dependente dos acontecimentos de prazer temporário do plano mundano de existência. A consciência e o coração quando decidem de afastar do colo de Maya, ilusão, experimentarão o fluxo incessante e crescente da felicidade superior e imotivada. Na terra do êxtase, Vrindavana, os passatempos do Senhor encontram uma variedade infinita de lugares que têm a função de serem usados como cenários dos sublimes humores espirituais, que são belos e jubilosos. Porém, tanto o cenário como sua roupagem sempre serão derivativos do humor espiritual que lhes deu origem. Em outras palavras, seja neste plano mundano ou em outro, nenhum ambiente poderá guiar a natureza da alma espiritual e fazê-la feliz. Liberação significa que estaremos livres das dualidades do prazer ou dor, pois esses fenômenos somente podem atingir o antigo ego falso. A felicidade, mesmo sendo uma faculdade natural da alma espiritual, encontra seu maior júbilo e expansão no contato com os santos devotos do Senhor, no serviço que oferecem ao guru, a Radha Krsna e às almas adormecidas. Como uma gota de água do mar, o sadhaka ampliará essa felicidade no ilimitado oceano do amor divino. No momento em que esse nível de satisfação chegar, ele afirmará para si mesmo: "Aqui, me sinto completo." Nesse ponto, não haverá dificuldades em suas atividades pois tudo o que ele fizer dará satisfação ao coração de Krsna e, conseqüentemente, ao seu. Diante desse caminho, o sadhaka poderá ter certa timidez ou até desconfiança. É estranho pensar que nessa busca do amor divino nada se encontrará, e que as revelações não são naturais para a alma e deveriam ser evitadas. A menos que essa busca esteja numa direção contrária - o que é comum -, os resultados sempre aparecerão. Se assim não fosse, o sadhaka estaria apenas desperdiçando seu tempo na distração de exercícios "mentais" que conseguem apenas afastar suas conquistas em bhakti, e essa prática se veria envolvida por sentimentos inferiores, como a culpa e o medo.

 A felicidade é, então, uma faculdade da alma que o ego inferior a faz parecer adormecida ou atrofiada. Ao buscá-la, apenas na superfície mundana, poderemos erroneamente concluir que ela se encontra na quantidade de prazeres e alegrias que são desfrutados, e na quantidade de sofrimento que se evita. Quando é posta para um futuro, mesmo a experiência de Goloka Vrindavana, que é tão ilimitada e divina, causaria no vaisnava um sentimento insatisfação e angústia nessa longa espera. Nossos mestres não vieram com as boas novas do plano divino para que ficássemos ainda mais infelizes e estagnados sem mais conseguir desfrutar do plano material, porque ele é ilusório, e também por não ter motivação para alcançar o plano superior no que só chegaria num futuro distante.

 Lembremo-nos que o principal elemento que atraiu o coração desse sadhaka foi a promessa de um processo de aprender a amar a Deus e ser feliz nessa mesma vida. Contudo, na prática, os interesses institucionais de alguns ditaram comportamentos e saturaram de regras o caminho do buscador, complicando excessivamente o processo, transformando o bem-aventurado legado de Mahaprabhu num ritual de medo e hipocrisia. O amor a Deus não é algo barato nem para o ego falso, mas, ao mesmo tempo, é a meta suprema da faculdade de amar e pertence à natureza da alma.

Lalita Krpa