Prezados vaisnavas
Dandavats pranamam
A que instituição devo pertencer? ISKCON? Gaudiya Matha? Gaudiya Vedanta Samiti? Sri Caitanya Sarasvati Matha? World Vaisnava Association? São tantas, fora as que não conheço ou não me lembro o nome.
Mas bhakti é supremamente independente, ela não depende de absolutamente nada para nascer, evoluir e dar frutos. Ela é fruto de si mesma. Essa é a própria definição de bhakti. Bhakti é a natureza intrínseca da alma, é portanto eterna e não depende nem de Bhagavan. Nem Deus pode alterar os atributos de bhakti e sua suprema independência.
Sendo assim, por que tanta preocupação em receber bhakti de uma instituição? Ou de um guru? A instituição não pode lhe dar bhakti e muito menos o Guru. Nem Deus pode dá-la ou retirá-la de nenhuma entidade viva.
Leiam atentamente e explicação sobre esse tema, dada por Srila Visvanatha Cakravarti Thakura e corroborada por Srila Prabhupada, Srila Narayana Maharaja e Srila Govinda Maharaja, que se encontra num sastra básico denominado "Sri Madhurya Kadambini":
Como o Senhor, Sua potência interna bhakti não-diferente dEle, é auto-manifesta e independe de qualquer causa material. O Shrimad Bhagavatam explica: “O serviço devocional ao Senhor transcendental é imotivado e ininterrupto” (SB 1.2.6).
Aqui a palavra, imotivado, significa que o serviço devocional não tem causa material. O Senhor também diz: “se de uma maneira ou outra uma pessoa se torna apegada em ouvir sobre Mim (SB 11.20.8)”, “de alguma maneira ele acaba alcançando o Meu serviço devocional” (SB 11.20.11), e “bhakti se incrementa por conta própria.” Desta maneira o termo “por si só” deve significar por seu bel-prazer independente. No dicionário o significado de “por si só” também é “por contra própria, independente”.
Alguns podem considerar esta palavra com o significado de “por boa fortuna, por sorte”. Aqui este significado não se aplica, pois seria preciso indagar qual a causa da boa fortuna. Alguma atividade piedosa material (shubha-karma) causa boa fortuna, ou ela independe de atividades piedosas? Se formos presumir que bhakti se origina da boa fortuna causada por atividades piedosas, isso significa que bhakti depende do karma material. Mas isso contaria a sua natureza auto-manifesta. E se pensarmos que esta boa fortuna não é devida a atividades piedosas, então a causa é indescritível e desconhecida. Como a causa de bhakti é inconclusa, como a boa fortuna pode ser descrita como a causa de bhakti?
Se alguém propuser que a causa de bhakti é a misericórdia do Senhor, então é preciso encontrar a causa desta misericórdia. Novamente esta declaração precisa de outra explicação e é inconclusa. Alguém pode refinar esta declaração dizendo que a causa de bhakti é a misericórdia imotivada (nirupadhi) do Senhor. No entanto, se esta misericórdia é imotivada, devemos observar que o Senhor está dando bhakti igualitariamente em todo lugar. Uma vez que isso não é observado, então isso implicaria no defeito de parcialidade por parte do Senhor. Desta maneira a misericórdia imotivada do Senhor também não deve ser aceita como a causa de bhakti.
Alguém pode questionar que o Senhor pune os demoníacos e protege os devotos; isso não é imparcialidade? Mas esta parcialidade que o Senhor mostra para com os Seus devotos não é um defeito do Senhor, seria mais um ornamento que realça Sua natureza. A afeição do Senhor por Seus devotos, bhakta-vatsalya, é o rei todo-poderoso que conquista todas as qualidades do Senhor e que reconcilia todas as contradições.
Ao se propor a misericórdia imotivada de um devoto como a causa da devoção em outra pessoa, é possível que alguém possa argumentar que a misericórdia do devoto, como a do Senhor, pode ser parcial. Ao se considerar o madhyama-bhakta, pode-se notar que ele mostra parcialidade ou discrição ao distribuir misericórdia. Mas o Bhagavatam aceita esta parcialidade como um maneirismo peculiar do madhyama-bhakta: “ ele dá misericórdia ao inocente e ignora quem é hostil a bhakt.” (SB 11.2.46)
Como o Senhor é subserviente aos Seus devotos, Ele permite que Sua misericórdia siga a misericórdia do Seu devoto. Portanto, esta proposta não é completamente infundada. Porém, mesmo aceitando a misericórdia do devoto como a causa de bhakti, ainda assim a causa desta misericórdia é o próprio bhakti (sentimento) que reside em seu coração. Sem que o devoto tenha bhakti não é possível que ele dê misericórdia a alguém. Bhakti causa a misericórdia do devoto, que causa bhakti em outra pessoa. Bhakti causa bhakti. E assim se conclui que bhakti tem natureza independente e é auto-manifesto.
Há uma declaração: “a pessoa que adquire fé no serviço ao Senhor por extrema boa fortuna...” Mas aqui devemos compreender o significado da palavra atibhagyena (extrema boa fortuna) como sendo o ato de alcançar a misericórdia do devoto, que supera a boa fortuna devido a atividades piedosas (shubha-karma). Não devemos considerar impossível que um devoto conceda sua misericórdia sem esperar primeiro pela ordem do Senhor. Ao aceitar a subserviência ao Seu devoto, o Senhor lhe garante o poder de conceder a Sua misericórdia (sva-kripa-shakti) dando proeminência ao devoto. Em outras palavras, recebemos a misericórdia do Senhor através da misericórdia do devoto que a concede, como já foi explicado.
Do mesmo modo, às vezes se diz que os deveres prescritos feitos sem motivações pessoais (nishkama-karma) e outras atividades piedosas são as portas de bhakti. Não há defeito nestas afirmativas. Mas o Shrimad Bhagavatam diz:
“Mesmo que alguém se dedique com grande empenho ao sistema de yoga mística, à especulação filosófica, caridade, votos, penitências, sacrifícios ritualísticos, ensino de mantras védicos aos outros, estudo dos Vedas ou à ordem de vida renunciada, ainda assim não pode Me alcançar.” (SB 11.12.9)
Apesar de caridade, austeridades e outras atividades piedosas serem claramente negadas como as verdadeiras causas de bhakti, em outro verso do Shrimad Bagavatam está dito que:
“O serviço devocional ao Senhor Krishna é alcançado por caridade, votos estritos, austeridades, sacrifícios de fogo, japa, estudo dos textos védicos, observância de princípios regulativos, e, na verdade, por outras práticas auspiciosas.“(SB 10.47. 24)
No entanto, esta declaração se refere ao
bhakti no modo da bondade material (sattviki-bhakti), que é um membro do sistema
de jñana, e não é transcendental. O verdadeiro bhakti é um membro de prema (nirguNa-prema-bhakti)
e é transcendental. Claro que algumas pessoas irão dizer que caridade significa
dar a Vishnu e aos vaishnavas, vrata, ou austeridades, significam votos como o
de ekadashi, e tapa significa renunciar à gratificação dos sentidos para
alcançar o Senhor. Portanto, estas atividades são todas membros (angas) de
sadhana-bhakti. Dizer que se alcança bhakti pelas angas não está errado, isso só
quer dizer que sadhana-bhakti causa sadhya-bhakti (estado de perfeição), bhaktya
sañjataya bhaktya (SB 11.3.31). Desta maneira, a natureza imotivada de bhakti é
novamente evidenciada e todos os pontos contraditórios foram destacados.
“Meu querido Senhor, o serviço devocional a Você é o caminho sem
rival para a auto-realização. Se alguém abandona este caminho e se dedica ao
cultivo de conhecimento especulativo, simplesmente irá se submeter a um processo
problemático e não alcançará o resultado desejado. Assim como uma pessoa que
bate a casca de arroz vazia não pode obter o grão, quem simplesmente especula
não pode alcançar a auto-realização. O seu único ganho é aborrecimento.” (SB
10.4.4)
“Quem abandona as suas ocupações materiais para se dedicar ao serviço devocional ao Senhor às vezes pode cair enquanto está no estado imaturo, no entanto não existe perigo de ele ser mal-sucedido. Por outro lado, um não-devoto, apesar de estar completamente dedicado a dharma, não ganha nada com isso.” (SB 1.5.17)
“Ó Senhor todo-poderoso, no passado muitos yogis neste mundo alcançaram a plataforma do serviço devocional somente depois de oferecerem-Lhe todos os seus esforços. Através deste serviço devocional, aperfeiçoado pelo processo de ouvir e cantar sobre Você, eles chegaram a compreendê-lO, ó Pessoa Infalível, puderam render-se a Você com facilidade e alcançaram a Sua morada suprema.” (SB 10.14.5)
Estes versos confirmam que os caminhos de jñana, karma e yoga são completamente dependentes de bhakti para atingirem suas metas. No entanto, o caminho de bhakti nunca é dependente, nem um pouco, de jñana, karma ou de yoga para atingir a sua meta, prema. E o Senhor ainda declara:
“Portanto, para o devoto que está dedicado ao Meu serviço amoroso, com a mente fixa em Mim, jñana e vairagya geralmente não são benéficos para alcançar a perfeição neste mundo.” (SB 11.20.31)
“Quem abandona todos os caminhos e simplesmente Me adora é o melhor entre os homens.” (SB 11.11.32)
Estes e muitos outros versos provam a completa independência de bhakti. O que mais é preciso dizer? Bhakti é essencial para dar os resultados da prática de jñana, karma e yoga, mas bhakti não é nem um pouco dependente destas práticas para atingir a sua meta. As escrituras declaram:
“Tudo o que é alcançado através de karma, tapa, jñana, vairagya, yoga, caridade, e todos os outros deveres para o aperfeiçoamento da vida, é facilmente alcançado pelo Meu devoto através do serviço devocional. Se de uma maneira ou de outra o Meu devoto deseja ser promovido para os planetas celestiais, ou deseja a liberação, ou a residência em Minha morada, ele alcança estas bênçãos facilmente.” (SB 11. 20.32-3)
“Sem devoção ao Senhor, bom nascimento, conhecimento das escrituras, canto de mantras e a realização de austeridades são como decorar um corpo morto para o prazer das pessoas comuns.” (Hari-bhakti-sudhodaya 3.11.12)
Desta maneira, sem bhakti, todos estes esforços são infrutíferos. Assim como o corpo depende da presença da alma, a própria vida de jñana, karma e yoga dependem da extremamente elevada Bhakti-devi.
Além do mais, a dependência de karma, jñana e
yoga das condições de pureza, local, tempo, candidato, materiais e do
procedimento é famosa nas escrituras. Isso não se aplica a bhakti:
“Ó caçador, para se cantar o nome do Senhor não há restrições referentes a local, tempo, pureza e tudo mais.” (Vishnu Dharma)
Na verdade, bhakti é famosa por sua
independência completa:
“Ó Bhriguvara, o nome de Krishna cantado uma única vez, com fé ou convicção completa, pode liberar qualquer pessoa.” (Padyavali, 26 citado do Skanda Purana, Prabhasa Kanda)
Portanto, bhakti não depende da pureza do lugar, tempo, e nem mesmo de prática. Não é possível se dizer a mesma coisa de karma-yoga, onde até mesmo a mínima falha é um grande obstáculo para o progresso.
“Se um mantra é entoado ou pronunciado incorretamente, não apenas ele é ineficaz, como pode agir como um raio para a pessoa que pretende o resultado do sacrifício. Como quando Tvashta desejou criar o inimigo de Indra, ele cometeu um leve equívoco na pronúncia das palavras indra-shatruh durante o yajña. Estas palavras então funcionaram como um raio para Vritrasura, que foi morto por Indra.” (Paniniya ±iksha, 52)
A necessidade de pureza interna (pureza de coração) para a prática de jñana-yoga é bem conhecida. A pureza de coração surge da prática de karma-yoga sem desejos pessoais. Portanto, a entrada em jñana-yoga é sempre dependente de nishkama-karma-yoga. E se acidentalmente alguém que pratica jñana-yoga comente um pequeno ato indigno (duracara) o shastra o condena como um vantashi, um comedor de vômito: sa vai vantashy apatrapah (SB 7.15.36). Quando vistos sob este prisma, Kamsa, HinaNyakashipu e RavaNa, apesar de serem jñanis, não ficaram famosos como jñanis devido à sua má conduta.
Por outro lado, no caminho de bhakti, apesar de alguém poder ser atacado pela luxúria ainda assim possui a qualificação (adhikara) para iniciar a prática. Apenas por praticar bhakti a luxúria e as outras impurezas vão sendo destruídas.
“Qualquer um que ouça ou que descreva com fé as atividades brincalhonas do Senhor com as gopis de Vrindavana, tendo alcançado o serviço devocional puro ao Senhor, rapidamente se torna sóbrio e conquista a luxúria, a doença do coração.” (SB 10.33.39)
Aqui, pela conjugação do verbo pratilabhya
(tendo alcançado) fica claro que bhakti se manifesta primeiro enquanto ainda
existem desejos luxuriosos no coração. Então, depois que ela se manifesta, os
desejos luxuriosos vão sendo eliminados. Isso ocorre porque bhakti é
supremamente independente (parama-svatantra). Além do mais, apesar de às vezes
impurezas como kama aparecerem no coração do devoto, as escrituras declaram:
“Mesmo que alguém cometa ações das mais abomináveis (su-duracara),
se estiver ocupado em serviço devocional deve ser considerado santo porque está
devidamente situado em sua determinação.” (Bg. 9.30)
“Meu querido Uddhava, se o Meu devoto ainda não conquistou completamente os sentidos, ele pode ser agitado por desejos materiais, mas devido à sua devoção inabalável a Mim, ele não será derrotado pela gratificação dos sentidos.” (SB 11.14.18)
Através destas evidências fica claro que os shastras nunca condenam tais devotos que iniciam o caminho de bhakti, mesmo que eles ainda estejam sendo afetados pela luxúria e outras falhas. Os servos de Vishnu julgaram Ajamila como sendo um devoto, mesmo Ajamila proferindo o nome do Senhor por afeição ao filho, sem intenção devocional. Apesar do canto de pessoas como Ajamila ser namabhasa (canto impuro), pela luz das escrituras essas pessoas são universalmente louvadas como devotas.
Portanto, fica evidente que pureza interna, pureza de local e de materiais, são necessárias para se obter resultados em karma, jñana e yoga. A sua falta ou qualquer outra falha fará com que o praticante encontre obstáculos no progresso em seu caminho. Além do mais, karma, jñana e yoga sempre dependem de bhakti, que na verdade é quem concede os resultados nestes caminhos. Bhakti é independente e não é nem incrementado e nem obstruído por nada mais.
Também diríamos que só as pessoas ignorantes dizem que bhakti é apenas um meio de se alcançar jñana, pois os shastras declaram com a maior ênfase a super-excelência de bhakti até mesmo sobre a meta final de jñana, moksha :
“O Senhor concede a liberação com muita
facilidade, mas não bhakti.” (SB 5.6.18)
“Ó grande sábio, entre muitos milhões de pessoas liberadas e
perfeitas em jñana, um devoto do Senhor Narayana, que é completamente pacífico,
é extremamente raro.“ (SB 6.14.5)
O próprio Senhor todo-poderoso, ao se encarnar como Upendra (o irmão mais novo de Indra), fez Indra ser Seu superior e então lhe concedeu todo o apoio. Almas altamente eruditas realizaram que esta é a exibição de Sua misericórdia insuperável, ao invés de uma posição inferior. Da mesma maneira, se jñana às vezes parece ter uma posição superior a bhakti, é só porque bhakti misericordiosamente faz o papel de sua assistente. Bhakti, apesar de transcendental e supremamente independente, aceita o modo material da bondade (sattviki-bhakti) e se torna um membro de jñana, apenas para lhe dar apoio.
Bhaktya sañjataya bhaktya (SB .11.3.31), o fruto de sadhana-bhakti é prema-bhakti, que é por si só a coroação de todos os ideais humanos (purushatha-mauli). Portanto, a toda-penetrante, toda-atrativa, concessora de toda a vida, super-excelente, supremamente independente e a natureza auto-manifesta de uma energia muito elevada, Bhakti-devi, surge do próprio Senhor, e foi descrita sucintamente. Se alguém prefere outro processo para o avanço espiritual além de bhakti, deve ser considerado carente de todo bom senso. O que mais pode ser dito? Se alguém rejeita o caminho de bhakti as escrituras não o consideram como sendo um ser humano: ko vai na seveta vina naretaram. “Apenas um não-humano poderia recusar servir ao Senhor.”
Extraído do “Madhurya-kadambini” de Srila Visvanatha Cakravarti Thakura.