NÃO TEMOS MUITO TEMPO

From: madhav@ig.com.br
 

Date: Wed, 19 Mar 2003 23:10:57 -0300
 

Todas as glórias a SRI SRI GURU GOURANGA e aos VAISNAVAS.
 

 yasya prasadad bhagavat-prasado
 yasyaprasadan na gatih kuto'pi
 dhyayam stuvams tasya yasas tri-sandhyam
 vande guroh sri caranaravindam
 

Somente pela misericórdia de Sri Gurudeva a pessoa pode receber a misericórdia de Bhagavan Sri Krsna, sem sua graça as entidades vivas não conseguem fazer nenhum avanço e nem serem liberadas. Meditando três vezes ao dia nas glórias de Sri Gurudeva e recitando o stava-stuti  [orações] eu ofereço minhas orações aos seus pés de lótus.  Sri Gurvastakam - verso 8
 

Não temos muito tempo...
 

 As entidades vivas que tomam corpo na forma humana têm a rara oportunidade de atingir aquele que é o objetivo último para todos os seres viventes: serviço amoroso aos pés de lótus do Senhor, Bhagavan Sri Krsna. Este serviço, no entanto, é muito raro e por mais que nos esforcemos em obtê-lo é somente pela misericórdia de um guru autêntico, com as bênçãos de Sri Bhagavan e dos vaisnavas ( guru-parampara) , que este serviço transcendental pode se manifestar no coração do devoto:

 brahmanda bhramite kona bhagyavan jiva
 guru-krsna-prasade paya bhakti-lata-bija


 De acordo com seu karma todas as entidades vivas vagueam pelo universo inteiro. Algumas delas se elevam aos sistemas planetários superiores e outras mergulham em direção aos sistemas planetários inferiores. Dentre muitos milhares de entidades vivas que vagueam aquela que é muito afortunada consegue, pela graça de Krsna, ter a oportunidade de se associar com um mestre espiritual fidedigno. Pela misericórdia tanto Krsna como do mestre espiritual tal pessoa recebe a semente da trepadeira do serviço devocional. (Sri Caitanya-caritamrta, Madhya-lila, 19.151)

 Portanto, nós que buscamos abrigo aos pés de lótus de  sad-guru ( guru verdadeiro) somos muito afortunados. O que mais podemos querer?  Acontece que aí tudo começa. Condicionados por inúmeros nascimentos e mortes a cobertura energética de maya é espessa, e uma vida é normalmente insuficiente para abandonarmos todos os nossos  anarthas (desejos mundanos) e nos libertarmos do cativeiro da existência material. Neste processo, acabamos cometendo aparadha  (ofensas) aos pés de lotus de sadhus (personalidades santas); perdemos tempo com prajalpa (conversas desnecessárias) e nos engajamos em atividades que são desfavoráveis a bhakti . Ainda assim,  guru e vaisnavas , pela misericórdia sem causa de Krsna e Seus associados, preenchem nossos corações com o néctar de  hari-katha .

 Esta é uma situação pela qual passam não só os devotos que são recém chegados à consciência de Krsna e pode ser muito difícil, mesmo para os mais experientes devotos, ultrapassar este patamar. Devemos conhecer  bem as faltas cometidas contra bhakti :

 

 atyaharah prayasas ca
 prajalpo niyamagrah
jana-sangas ca laulyam ca
 sadbhir bhaktir vinasyati
 

 Bhakti é destruído por se cometer as seis faltas seguintes: (1) comer demais ou coletar mais do que o necessário, (2) esforços que são opostos a bhakti , (3) conversas mundanas  desnecessárias, (4) falhar em adotar as regulações essenciais ou adesão fanática às regulações, (5) associação com pessoas que são opostas a  > bhakti e (6) cobiça ou agitação mental para adotar opiniões inúteis.  (Sri Upadesamrta - verso 2)
 

 Não basta, por exemplo, assumirmos um comportamento externamente bem elaborado e aparentemente condizente com a etiqueta  vaisnava , ou mesmo um discurso fluente e de relativa maestria, se conservarmos a dureza dos nossos corações e o sofismo amargo da cultura clássica ocidental. Isto acontecendo, estaremos pondo de lado as  evidências  sastricas e os ensinamentos do guru-parampara em prol de concepções não autorizadas acerca dos siddhantas védicos e de  guru-tattva (verdade sobre guru ).

 É o que infelizmente acontece com a carta entitulada "Não faz muito tempo...", assinada e disseminada por Purushatraya Swami, na  qual o  autor prefere dar proeminência a julgamentos próprios ao tentar questionar a missão de Om Visnupada Paramahamsa Parivrajakacarya Astottara-sata Sri Srimad Bhaktivedanta Narayana Maharaja, e de Nitya-lila-pravista Om Visnupada Astottara-sata Sri Srimad Bhaktivedanta Swami Maharaja (Srila Prabhupada) conseqüentemente.

 Nesta carta são sublimadas algumas animosidades superficiais que supostamente atagonizam as missões de duas  personalidades profundamente íntimas e exaltadas do gaudiya-vaisnavismo - Srila Narayana Maharaja e Srila Bhaktivedanta Swami Maharaja -, sendo posta de lado a função transcendental de ambos que é distribuir prema-bhakti na linha de Srila Rupa Gosvami e Srila Sanatana Gosvami, associados eternos de Sri Caitanya Mahaprabhu.

 A título de ressalva, antes de mais nada, é importante que fique bem claro que este texto não é uma resposta a Purushatraya S., afinal, adiantando-se aos resultados que viessem em decurso das palavras  proferidas em sua carta, ele já desenvolveu sua auto-defesa, com substanciais elogios à própria conduta e uma desconfiança atroz quanto a presumíveis reações dos devotos. Ele diz na carta:

"Posso até ser taxado de 'ofensor', ou amaldiçoado à condenação eterna, (...). Mas, quanto a isso, fico tranqüilo e confiante pois vejo que meu coração não se deixa afetar pela emoção barata do fanatismo e meu intuito é ver o movimento do Senhor Caitanya vencedor."

 O que impressiona, entretanto, não é o extremo zelo pela sua auto-preservação, mas o argumento de que, a título de "ver o  movimento do Senhor Caitanya Vencedor", o swami tenha escrito e divulgado um texto de algumas páginas no qual a glorificação ao guru , sadhus  e vaisnavas , tenha dado lugar à discussão de "fatores externos" - que Purushatraya S. chama de tatastha-laksana .

 Assim ele mesmo escreve:

 "Para mim, tudo isso não passa de tatastha-lakshana, fatores externos." Cabendo aqui uma pequena ressalva para que não pairem dúvidas quanto à compreensão deste termo em sânscrito,  tatastha-lakshana , que aparece evasiva e superficialmente descrito na carta como significando "fatores externos".

 Srila Bhaktivinoda Thakura, com a autoridade de quem é conhecido como o sétimo gosvami , explica no Bhakti-tattva-viveka (Verdade sobre Bhakti):

 "Permanecer tanto livre de desejos separados do desejo de servir a Sri Krsna (anayabhilasita) quanto livre das contaminações de  jnana e karma (jnana-karmady-anavrtam) é a tatastha-lakshana, ou característica marginal de bhakti."

 Daí concluirmos que tatastha-laksana é parte integrante de bhakti , assim como a svarupa (a natureza intrínseca) - esta sim, a parte constitucional de bhakti . Muito diferentes podem ser os tais "fatores externos", eles podem nem dizer respeito a bhakti. Esta é a razão pela qual, no restante do texto que se segue, foi tomada a liberdade de se utilizar a expressão "fatores  externos"  e não mais a expressão tatastha-laksana ; além do mais, não só o termo em sâncrito foi utilizado de forma um tanto negligente na carta, também foram negligenciadas as evidências sastricas , e não se pode querer reproduzir determinadas práticas sob pena de se alongarem as impropriedades.

 Orando humildemente aos pés de lótus de guru e  vaisnavas , clamando por uma gota de misericórdia em meio a este mar de iniqüidades da existência material, o que se pretende, aqui, é  adentrar o hiato deixado pela carta em questão e exaltar as glórias dos santos nomes de Deus (Sri Krsna Bhagavan), da incomparável missão de Sri Caitanya Mahaprabhu e Seus eternos associados e de todo o guru-varga . Só assim pode ser que um dia defrutemos do néctar de suddha-bhakti (devoção pura aos pés de lotus do Senhor Hari), no estágio último de madhurya-prema (o humor transcendental das gopis de Vraja).  Neste ponto, a missão de Sri Srimad Bhaktivedanta Narayana Maharaja e a de Sri Srimad Bhaktivedanta Swami Maharaja (Srila Prabhupada) são idênticas, para além de quaisquer fatores externos. O desejo de  ambos, como de qualquer outro devoto puro em nossa linha, é proteger e propagar  as glórias da Brahma-Madhava-Gaudyia Sampradaya , este sagrado  parampara que descende de Sri Krsna Bhagavan desde o momento da criação material, quando este conhecimento divino foi revelado ao Senhor >Brahma.  Tais devotos uttama-adhikari , estabelecidos na plataforma mais elevada de bhakti - suddha-bhakti  ( bhakti pura) - e pertencentes a esta sucessão discipular, são peritos em satisfazer seus mestres espirituais e a glória de ambos, no caso, Srila Narayana Maharaja e Srila Prabhupada (Srila Bhaktivedanta Swami), reside no fato de nunca terem se corrompido ou comprometido os  ensinamentos revelados através do serviço devocional puro aos pés de lótus dos seus mestres espirituais. Nós ocidentais, temos, assim, uma dívida de gratidão eterna para com tais personalidades, completamente situadas na plataforma transcendental que, por misericórdia imotivada, vêem ao nosso encontro distribuir o néctar de prema-bhakti (amor puro por Krsna) - conforme Sri Caitanya Mahaprabhu demonstrou a este mundo.

 Devemos honrar tais devotos desenvolvendo completo respeito e rendição a eles. Não se pode corrompê-los ou desviá-los da missão, isto  é impossível.

 Por isso, afirmar a existência de um novo  guru-parampara , seja ele iniciado por Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) ou qualquer outro devoto puro, é, no mínimo, estranho  ao  tattva-siddhanta (as verdades conclusivas sobre os sastras ). Mas, ainda mais grave, é afirmar - como o fez Purushatraya S. citando terceiros, "(...) um sannyasi da ISKCON, amigo meu (...)", segundo suas próprias palavras - que Srila Narayana Maharaja teria recomendado, em  algum dia no passado, que se desse continuidade ao "parampara de Prabhupada".  Este, sem dúvida, não é e nunca foi o desejo de Srila Prabhupada, nem de Srila Narayana Maharaja ou de qualquer outro devoto puro.

Tais devotos nunca desvirtuam da Bahma-Madhava-Gaudiya Sampradaya e inauguram suas próprias sampradayas. São personalidades que aceitam   por completo os ensinamentos transmitidos em sucessão discipular e glorificá-las é afirmar suas qualidades transcendentais, dentre elas, a capacidade de apresentar, com completa proficiência e sem adulterações,  as conclusões sastricas que lhes foram transmitidas.  Foi por este motivo que Srila Bhaktivedanta Swami nos apresentou o Bhagavad-Gita Como Ele É , sem adulteração ou contaminação de concepções próprias. Sua Divina Graça afirma, na introdução do Srimad Bhagavad-Gita:

 "O conhecimento védico não é uma questão de investigação. Nossa investigação é imperfeita porque averiguamos as coisas com nossos sentidos imperfeitos. Temos que aceitar o conhecimento perfeito que é transmitido, como se afirma no Bhagavad-Gita , através do  parampara, a sucessão discipular."

Fica demonstrado que aceitar um guru é aceitar que seus exemplos e ensinamentos são, em essência, não diferentes daqueles dos  acaryas que o antecedem na linha de sucessão discipular. Por isso, quem pensa estar glorificando Srila Bhaktivedanta Swami com afirmações do tipo: "Pertenço ao parampara de Srila Prabhupada.", deve, no mínimo, se precaver consultando a obra exemplar de Sua Divina Graça e as  injunções védicas contidas nos satras . Caso contrário, qualquer afirmação pode não passar de mera especulação.  Outro fato que não procede é dizer que "no caso da ISKCON, (...) os discípulos diretos de Prabhupada ficaram órfãos(...)". Isto também não glorifica Srila Bhaktivedanta Swami e seu inquestionável legado. Como um maha-purusa (personalidade auto-realizada e transcendental ao plano mortal de existência), Srila Prabhupada viveu e abandonou o corpo material de maneira exemplar. Ele instruiu seus discípulos para que buscassem associação com devotos mais experientes, indicando, inclusive, os nomes destes devotos mais avançados; disponibilizou  inúmeros textos védicos fundamentais, além de comentários autorizados e livros de sua autoria. Srila Bhaktivedanta Swami abriu templos e, ainda por cima, deu forma a uma instituição grande o bastante para sustentar toda esta obra e expandí-la ainda mais.  Nada que justifique tamanho sentimento de auto-piedade por parte de Purushatraya S., ao afirmar a situação de orfanado - sinônimo de  abandono ou desamparo - dos discípulos diretos de Srila Bhaktivedanta Swami na época em que este estimado guru abandonou o plano material de existência, há aproximadamente 25 anos atrás. Este é um comportamento que não é recomendável a um vaisnava e que não consta de qualquer escritura ou instrução deixada por Srila Prabhupada. Do mesmo modo que também não é aceitável que se questione um mestre espiritual do quilate de Sri Srimad Bhaktivedanta Narayana Mahaharaja tendo, por base, argumentos pífios, não indo além de "fatores externos". Colocações infelizes para quem se apresenta como um diksa-guru.

 São bem conhecidas as qualificações mínimas para que alguém seja considerado um guru autêntico:

 vaco vegam manasah krodha-vegam
 jihva-vegam udaropastha-vegam
 etan vegan yo visaheta dhirah
sarvam apimam prthivim as sisyat

 Uma pessoa sábia e auto-controlada que pode subjugar o ímpeto de falar, a agitação da mente, o ataque da ira, a veemência da língua, as exigências do estômago e a agitação dos genitais, pode instruir o mundo inteiro. Em outras palavras, todas as pessoas podem se tornar discípulos de uma pessoa auto-controlada assim.  (Sri Upadesamrta - verso 1)

E, num comentário sobre o Sri Upadesamrta, entitulado  Piyusa-varsini-vrtti (O Comentário na Forma de Um Banho de Néctar), Srila Bhaktivinoda Thakura atesta:

"(...) luxúria, ira, cobiça, ilusão, intoxicação, inveja e outras irritações estão sempre na mente, e dessa maneira atraem a mente para os objetos dos sentidos materiais. Isso se efetiva através de seis atividades."

As mesmas seis atividades descritas no verso 1 do Sri Upadesamrta, com destaque à primeira atividade, que é a que ora nos interessa: o ímpeto de falar. Aqui, Srila Bhaktivinoda Thakura faz um brevíssimo porém irretocável comentário:

 "[Trata-se do] impulso de falar ou de usar palavras que criam sofrimento aos outros."

 Conclui-se, pois, que do sentimento de auto-piedade exibido não sobrou muita coisa para os irmãos vaisnavas, discípulos de Srila Narayana Maharaja - que, na carta em questão, é descrito como um  revanchista qualquer. Como se a expansão de sua missão no mundo não tivesse alguma motivação maior do que algum suposto "mal-entendido" entre Srila  Gurudeva, e, citando o conteúdo desta mesma carta, "um grupo de devotos, bastante proeminentes na Iskcon (..)". Se assim o fosse, a missão  gaudiya-vaisnava , na visão de Purushatraya S., não ultrapassaria a dimensão de um pitoresco drama de folhetim, com direito a frases e expressões do tipo: "Se (...) tivesse sido feito de forma menos  dramática", ou, "mas acontece que foi tudo muito emocional e os ânimos se exaltaram".

 Na imaginação de alguns, ao que parece, sad-guru e  suddha-bhaktas (devotos puros) não passam de pessoas extrememente emotivas, fragilizadas, incapazes de lidar com situações que apresentam grau um pouco maior de complexidade. Pessoas que não controlam os próprios nervos.  O descalabro das declarações é tamanho que o seu autor chega a chamar os devotos que buscam serviço aos pés de lótus de Srila Narayana Maharaja de "o grupo de NM", ou então, "NM e seus seguidores",  "um pequeno grupo de devotos deslumbrados, confusos e iludidos", literalmente taxados, na carta, de ofensores. Palavras que não produzem nada nos corações dos devotos, além de tristeza e sofrimento diante de tamanha falta de  zelo e >menosprezo para com os gaudiya-vaisnavas.

 Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) cita, na introdução do Sri Caitanya-caritamrta, o exemplo de Krsnadasa Kaviraja Gosvami, autor desta obra monumental. Srila Krsnadasa Kaviraja escreve:

 "Ofereço meus respeitos a meus mestres espirituais."

 Srila Bhaktivedanta Swami comenta esta frase:  "Ele [Krsnadasa Kaviraja Gosvami] usa o plural aqui para indicar a sucessão discipular. Não é que ele ofereça suas reverências apenas a seu mestre espiritual, mas a todo o parampara , a corrente de sucessão discipular que começa com o próprio Senhor Krsna. Dessa maneira,  o> guru é tratado no plural para mostrar o altíssimo respeito que o autor tem por todos os Vaisnavas. Após oferecer reverências à sucessão discipular, o autor presta reverência a todos os demais devotos, irmãos espirituais, às expansões de Deus e à primeira manifestação da energia de Krsna."

 Meditando no que diz Srila Prabhupada, em pequeno trecho acima, as palavras proferidas por Purushatraya S. em sua malfadada carta soam, no mínimo, bizarras. Como pode alguém afirmar possuir "respeito e apreciação intactas" por um determinado sad-guru ( guru verdadeiro) se ao mesmo tempo o acusa de proferir hari-katha - o néctar dos passatempos de Sri Krsna Bhagavan - envenenado, misturado com "fatores externos", sentimentos de sectarismo selvagem e fanatismo?  Quais são as qualidades que esta pessoa demonstra ao tratar com tamanho desrespeito um uttama-vaisnava , sem o menor jubilo diante de mais um movimento de expansão do gaudyia-vaisnavismo - missão de Sri Krsna Caitania Mahaprubhu -, e da presença, no Brasil, de um  autêntico devoto de Krsna, um dos mais reverenciados em todo o mundo?

 O que motiva esta mesma pessoa a assumir uma posição de  sadhu instrutor e a afirmar, sem se basear nos sastras , a incompatibilidade entre aquilo o que Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) ensinou e os ensinamentos de Srila Narayana Maharaja?  Melhor não incorrermos no erro de se formular respostas definitivas a estas e outras tantas questões, mesmo que sejam respostas contundentes, isto só contribuiria para estimular as ofensas e os  esforços inúteis ao desenvolvimento de bhakti.

 O que devemos fazer é propagar as glórias dos devotos puros! Que Srila Bhaktivedanta Narayana Maharaja, por exemplo, já era  sannyasa quando conduziu a fogueira sacrificial que ardeu durante a cerimônia de fogo em que Srila Bhaktivedanta Swami foi iniciado como  sannyasi ; que o mestre espiritual que deu esta iniciação a Srila Bhaktivedanta Swami é Sri Srimad Bhakti Prajnana Kesava Gosvami Maharaja  nosso param-guru , e, portanto, mestre espiritual de Srila Narayana Maharaja -; que este mesmo Srila Bhakti Prajnana Kesava Maharaja é reconhecido como um dos mais íntimos discípulos de Sri Srimad Bhaktisiddhanta Sarasvati Gosvami Prabhupada ( diksa-guru e mestre espiritual de nosso Srila Prabhupada); que Srila Bhakti Prajnana Kesava Gosvami Maharaja também é o acarya fundador da Gaudiya Vedanta Samiti, instituição co-irmã da Iskcon e de tantas outras organizações que se dedicam a propagar o gaudiya-vaisnavismo no mundo, e que Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) é um cofundador da Gaudiya Vedanta Samiti, tendo à frente, hoje, Srila Narayana Maharaja, como um dos mais queridos e proeminentes representantes da Gaudyia.  São inúmeras as glórias de tais personalidades. Por isso, quem se sentir estimulado a propagar a missão de Sri Krsna Caitanya Mahaprabhu deve demonstrar o devido respeito a estes mestres espirituais e suas obras. Todos eles são devotos de Krsna em estágios os mais avançados  e estão além de qualquer contaminação material, desconhecendo tudo o que  não diz respeito a suddha-bhakti ( bhakti pura).

 A Suprema Personalidade de Deus, Bhagavan Sri Krsna, glorificando e estabelecendo a verdade sobre a devoção pura, profere, Ele mesmo, as seguintes palavras:

 ye daragara-putrapta-
pranan vittam imam param
 hitva mam saranam yatah
 katham tams tyaktum utsahe

 Visto que os devotos puros abandonam seus lares, esposas, filhos, parentes, riquesas e mesmo suas vidas simplesmente para  servir-Me, sem nenhum desejo de obter progresso material nesta vida ou na próxima, como posso, em momento algum, abandonar tais devotos?  (Srimad Bhagavatam, 9.4.65)

 sadhavo hrdayam mahyam
sadhunam hrdayam tv aham
 mad-anyat te na jananti
 naham tebhyo manag api


O devoto puro sempre está situado no âmago do Meu coração, eEu sempre estou no coração do devoto puro. Meus devotos conhecem apenas a  Mim, e Eu só conheço a eles.  (Srimad Bhagavatam, 9.4.68)
 

 Agora, reestabelecidos alguns fatos sobre  guru-tattva (a verdade sobre guru) e vaisnava-tattva (a verdade sobre vaisnava), podemos, com a devida atitude de submissão diante deste incomparável conhecimento, adentrar um pouco mais o  tattva-siddhanta (as verdades conclusivas sobre os  sastras ).

 Neste ponto salta aos olhos a equivocada posição de alguns que ainda insistem em incompatibilizar os ensinamentos de Srila Bhaktivedanta Swami e de Srila Narayana Maharaja. Como se a filosofia  gaudiya-vaisnava fosse uma colcha de retalhos e a verdade conclusiva não existisse.

 Sri Caitanyia Mahaprabhu deixou uma verdade última, não mais que uma, e ela está claramente expressa nas palavras irretocáveis de Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) na introdução do Sri Caitanya-caritamrta:

"(...), a maior dádiva do Senhor Caitanya foi Seu ensinamento de que Krsna pode realmente ser tratado como amante. Nesta relação, o Senhor fica tão apegado que expressa Sua incapacidade de corresponder. Krsna ficou tão comprometido com as gopis , as vaqueirinhas de Vrndavana, que se sentiu incapaz de retribuir o amor  delas.

'Não posso retribuir o vosso amor', disse-lhes Ele. 'Não tenho mais com o que retribuir.' Assim, o serviço devocional é realizado nesta plataforma esplêndida, e o conhecimento do relacionamento do devoto com Krsna como amante e amado foi dado por Caitanya Mahaprabhu. Nenhuma encarnação ou acarya anterior jamais o haviam dado."

"(...), Caitanya Mahaprabhu dá uma demonstração prática de  como amar a Deus num relacionamento conjugal. Desempenhando o papel de Radharani, Caitanya tenta amar a Krsna como Radharani O amou. (...). Este  é o segredo da encarnação do Senhor Caitanya. Caitanya é Krsna, mas Ele assume a atitude ou o papel de Radharani para nos mostrar como amar a >Krsna."

 Srila Bhaktivedanta Swami atesta, ainda na introdução do >Sri Caitanya-caritamrta:

 "Não é que Radharani seja separada de Krsna. Radharani também é Krsna, pois não há diferença entre a energia e o energético. Sem energia, o energético não tem significado, e, sem o energético, não há energia. Analogamente, sem Radha, Krsna não tem significado, e, sem  Krsna, Radha não tem significado. Por causa disso, a filosofia Vaisnava antes de mais nada presta reverências à potência de prazer interna do Senhor  Supremo e A adora. Assim, o Senhor e sua potência são sempre designados como Radha-Krsna."

 "Sri Caitanya Mahaprabhu não é ninguém mais que a forma combinada de Sri Radha e Krsna." Este é um conhecimento muito confidencial e impossível de ser adquirido por vias ordinárias. Como já foi demonstrado, só pela misericórdia sem causa de guru e Krsna é que ele se manifesta no coração do devoto.

 No entanto, dizer que Srila Narayana Maharaja se incompatibiliza com Srila Bhaktivedanta Swami, porque Srila Narayana Maharaja segue uma linha de raganuga-bhakti (apego espontâneo e eterno aos pés de lótus de Krsna no humor dos habitantes de Vraja), é o mesmo que afirmar que Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) não era  um guru autêntico na linha de Sri Catanya Mahaprabhu. Isto é coisa para quem nunca leu nem a introdução do Sri Caitanya-caritamrta e não acredita nos mais elevados sentimentos espirituais das gopis e dos habitantes de Vraja (morada transcendental do Senhor Hari).

 O Sri Caitanya-caritamrta instrui sobre o serviço devocional em raganuga-bhakti :

 baya, antara, -- ihara duita' sadhana
 'bahye' sadhaka-dehe kara sravana-kirtana
 'mane' nija-sidha-deha kariya bhavana
ratri-dine kare vraje krsnera sevana

O sadhana de raganuga-bhakti é de dois tipos: externo ( bhaya ) e interno (antara ). Externamente realiza-se o ouvir e cantar com o sadhaka-deha , o aspecto externo de um praticante de bhakti . Internamente, enquanto contempla sua forma espiritual perfeita, a pessoa presta serviço a Sri Krsna em Vraja o tempo todo.  (Madhya-lila 22.156-157)

 Como todos os acaryas da nossa linha Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) era, sem dúvida, um  raganuga-bhakta . Não há incompatibilidade entre os que verdadeiramente seguem os ensinamentos de Srila Prabhupada, Narayana Maharaja ou qualquer outro guru que pregue conforme o  gaudiya-vaisnavismo autêntico. As diferenças que podem existir não passam de fatores aparentes e talvez sejam esses os tais "fatores  externos" de Purushatraya S. Caso contrário, qualquer incompatibilidade alarmada pode ser sinal de um grave sintoma de desapego para com as instruções de Sri Caitanya Mahaprabhu e Seus íntimos associados.  Por isso dizer, como foi dito na carta, que Srila Prabhupada seguia um estilo "mais voltado à pregação" e que esta herança que ele nos deixa é algo diferente!!!?? Isto é muito pouco para tamanho celeuma!  Pregar todos os sad-gurus ( gurus  verdadeiros) pregam, não poderia ter sido de outra forma com Srila Bhaktivedanta Swami Maharaja. Só isso não serve para exaltar a
>memória de Srila Prabhupada. E Srila Narayana Maharaj, bem como qualquer outro  bhakta devidamente instruído, sabe que as glorias de um mestre espirirual vaisnava são as suas irrepreensíveis qualidades de devoto.

 Srila Bhaktivedanta Swami Maharaja nunca se desviou disso, sempre procurando servir habilmente seu gurudeva e os  vaisnavas . Ele nunca abandonou seu serviço para inventar algo novo, incompatível com as injunções védicas ou com os ensinamentos de Sri Caitanya Mahaprabhu e dos gaudiya-vaisnavas. É isto o que faz da vida e obra de Srila Prabhupada exemplo e inspiração para todos os que sinceramente buscam conquistar prema-bhakti (amor puro por Krsna).  O próprio Srila Prabhupada, prestes a abandonar o corpo, recebeu Srila Narayana Maharaja em seus aposentos e em meio a uma amorosa troca de palavras disse:

 "Prabhupada [Srila Bhaktisidanta Sarasvati Thakura Prabhupada - diksa-guru de Srila Prabhupada] tinha o desejo de pregar ao redor de todo o mundo. Na Europa, América... Eu tentei, com o melhor de mim, satisfazer seu desejo." 

 E, dirigindo-se diretamente a Srila Narayana Maharaja, Srila Prabhupada completou esta sua fala com a seguinte frase:

 "Agora nós devemos pregar juntos."

 Este encontro se deu em Vrindavana, no dia 8 de outubro de 1977, tendo sido testemunhado por devotos e gravado em fita cassete que hoje consta nos arquivos da BBT. E se atentarmos cuidadosamente esta pequena mas significativa frase de Srila Prabhupada - "Agora nós devemos pregar juntos." - verificaremos que ela tem profundos significados.  Todos sabiam, na época, que Srila Prabhupada estava prestes a deixar o corpo e que Srila Narayana Maharaja ali estava presente, a pedido de Srila Prabhupada, para realizar a viraha-mahotsava (cerimonia de separação) e depositar o corpo, de acordo com todos os preceitos védicos, em um samadhi.  Quem conhece a cultura védica sabe que a realização de um  samadhi é um serviço sagrado e que este convite de Srila Prabhupada indicava, por si só, o reconhecimento de Srila Narayana Maharaja como um  acarya credenciado a sucedê-lo. Não é preciso muito mais para entendermos que com esta frase - "Agora nós devemos pregar juntos." -  Srila Prabhupada indica que aonde estiver Srila Narayana Maharaja, seja em corpo físico ( vapu ) ou instruções ( vani ), ele também se encontrará presente.  Como se pode notar, Srila Bhaktivedanta Swami e Srila Narayana Maharaja são íntimos e eternos associados. Adentrar os ensinamentos e passatempos estáticos de ambos requer qualificação e verdadeiro avanço espiritual. É o que Srila Bhakti Prajnana Kesava Gosvami Maharaj ( guru-sannyasi de Srila Prabhupada) explica em sua introdução ao Jaiva-Dharma de Srila Bhaktivinoda Thakura:

 "Apenas pessoas com eminente qualificação podem aceitar o ideal que está contido nos ensinamentos mais avançados."

 E quem são estas pessoas qualificadas?

 Bhagavan Sri Krsna estabelece, Ele mesmo, quem são as pessoas qualificadas para servi-Lo e, conseqüentemente, adentrar os mais avançados ensinamentos:

 mam hi partha vyapasritya
 ye'pi syuh papa-yonayah
 striyo vaisyas tatha sudras
 te'pi yanti param gatim

Oh Partha (Arjuna). Mulheres, vaisyas, sudras e pessoas denascimento inferior, que tomaram nascimento em famílias pecaminosas,  podem alcançar a meta última que é tomar refúgio em Mim.  (Srimad Bhagavad-Gita, 9.32)

 Srila Prabhupada lança mais luz sobre esta questão, explicando, em um comentário seu sobre outro verso do Srimad Bhagavad  Gita (18.49), que a perfeição, aqui podendo ser entendida como qualificação,  não é um atributo intrínseco ao fato de se aceitar a ordem de vida renunciada:

 "Supõe-se que um sannyasi está livre das reações de suas atividades passadas, mas uma pessoa que está em consciência de Krsna alcança automaticamente esta perfeição sem nem mesmo aceitar a assim chamada ordem de renúncia."
 

 Ou seja, para quem quer entender os maravilhosos ensinamentos e os surpreendentes passatempos descritos nas escrituras, envolvendo Sri Radha-Krsna, Caitanya Mahaprabhu e os vaisnavas , tudo vai depender do grau de rendição ao mestre espiritual e da sincera  devoção por Krsna. Só o Senhor Supremo (Krsna) é que pode conceder tal misericórdia, e para que nos ocupemos em Seu serviço ele nos manda um mestre  espiritual, capaz de nos instruir sobre como atingir a perfeição mesmo seguindo algum  karma (trabalho) prescrito.  Sobre este assunto o Srimad Bhagavad-Gita discorre vários versos, dentre os quais:

sve sve karmany abhiratah
samsiddhim labhate narah
 sva-karma-niratah siddhim
yatha vindati tac chrnu

 Seguindo suas qualidades de trabalho, todo homem pode se tornar perfeito. Agora, por favor, ouça de Mim como fazer isto.  (18.45)

 sreyan sva-dharmo vigunah
 para-dharmat svanusthitat
 svabhava-niyatam karma
 kurvan napnoti kilbisam
 

 É melhor dedicar-se à própria ocupação, mesmo que a pessoa talvez a execute imperfeitamente, do que aceitar a ocupação de outra pessoa e executá-la perfeitamente. As reações pecaminosas nunca afetam os  deveres prescritos que estão de acordo com a natureza da pessoa. (18.47)

 sarva-karmany api sada
 kurvano mad-yapasrayah
 mat-prasadad avapnoti
sasvatam padam avyayam

 Embora ocupado em todos os tipos de atividades, Meu devoto, sob Minha proteção e por Minha graça, alcança a morada eterna e imperecível.  (18.56)

 Os discípulos de Srila Narayana Maharaja não são incentivados a exibir de forma ostentosa qualquer opinião sobre a conduta de irmãos vaisnavas ou de quem quer que seja. A cultura védica nos ensina que, da mesma forma que Arjuna, devemos focalizar toda a nossa atenção em um único ponto e assim atingir a meta última, e as escrituras nos demonstram como cada um deve cuidar da sua vida espiritual, sem se dispersar, cumprindo as obrigações que lhe são prescritas e servindo o tempo todo a Krsna.

 Aqui não se questiona a ocupação de nenhum devoto, cada um tem diante de si a oportunidade de prestar o devido serviço a Krsna e ao mestre espiritual, e pode ser que seja parte deste serviço, para alguns, fomentar a dúvida aonde a verdade prevalece. Esta talvez seja uma maneira, a qual a mente parece incapaz de compreender, de serem mantidos afastados os ímpios.

 Não resta dúvida que o serviço a Sri Krsna faz parte da natureza de toda jiva (entidade viva), mas devemos adentrar este serviço com humildade. Não basta apenas trocarmos nossa roupa, rasparmos  a cabeça ou coisas desse tipo. Existe um processo. É o que Srila  Bhaktivinoda Thakura explica no Jaiva-Dharma:

 "(...), eu nunca dou instrução sobre a vestimenta externa. Quando o dharma ou a função espiritual do coração se tornar purificada, a vestimenta externa se ajustará fácil e naturalmente. Quando há muita preocupação com a aparência externa, existe desatenção para com a função interna da alma. Quando o coração se tornar puro você automaticamente desenvolverá apego ao comportamento externo dos vaisnavas , não haverá erro se você mudar sua vestimenta externa então. Absorva completamente  seu coração em tentar seguir os ensinamentos de Sri Krsna Caitanya, depois  você pode adotar os ítens externos do vaisnava-dharma [função constitucional da alma e cuja meta é o amor puro por Krsna] para os quais você é naturalmente inclinado."

 Mas como reconhecemos um vaisnava ? Afinal, quem pode ser verdadeiramente considerado um vaisnava ?  Srila Bhaktivinoda Thakura responde, também no Jaiva-Dharma:

"(...), se você perguntar como se reconhece um Vaisnava, eu lhe digo que um Vaisnava é alguém que abandonou todas as ofensas, e que anta sri-krsna-nama [os nomes de Sri Krsna] com grande sentimento. Existem três categorias de Vaisnavas: o kanistha  (neófito), o madhyama (intermediário) e o uttama (o mais >exaltado). O kanistha Vaisnava canta o nome de Krsna ocasionalmente, o madhyama Vaisnava canta o nome de Krsna constantemente e o  uttama Vaisnava faz com que os outros cantem sri-nama simplesmente pela sua presença."

 Quem teve a oportunidade de participar do festival realizado em Teresópolis, fevereiro último, pôde comprovar a potência de  um  uttama-vaisnava ou vaisnava da mais alta qualificação. Como que com a sua simples presença ele é capaz de fazer todos cantarem os santos nomes de Deus (Sri Krsna). É o que tem acontecido com os que buscam Srila Narayana Maharaja e que por si só experienciam esta conclusão  sastrica :

 yanhara darsane mukhe aise krsna-nama
 tanhare janiha tumi 'vaisnava-pradhana'

 Sri Caitanya Mahaprabhu disse: "O Vaisnava de primeira classe é aquele cuja simples presença faz com que outros cantem o santo nome de Krsna."  (Sri Caitanya-caritamrta, Madhya-lila, 16.74)

 E é assim que Srila Narayana Maharaja tem reacendido a chama de bhakti em inúmeros corações que andavam adormecidos e cativado tantos outros que nunca haviam sido despertados para o serviço >devocional.

 Na condição de uttama-vaisnava , devoto de primeira classe, Srila Maharaja não se contamina com desejos mundanos. Ele não se dedica a fomentar conflitos desnecessários ou sentimentos de infundada animosidade, nem a angariar devotos a todo o custo, e todos os que chegam até ele assim o fazem por livre e espontânea vontade. Srila Narayana Maharaja também está totalmente livre da visão tacanha das almas condicionadas que se dizem filiadas a instituições transitórias, e ensina que a Sociedade para a Consciência de Krsna à qual todos pertencemos é totalmente transcendental a este plano mortal de existência. Esta é a mensagem de Srila Prabhupada e Srila Narayana Maharaja:  "Não é o que significa: 'Bhaktivedanta Swami nos trouxe isso', eles dizem. Esta é a minha boa fortuna. Mas, de fato, eu sou apenas um peão. Eu trouxe, mas eu estou entregando sem nenhuma adulteração. Este deve ser meu crédito."  (Srila Prabhupada, Detroit, 03/08/1975)

 "Vocês devem saber uma coisa: ISKCON foi primeiro  estabelecida por catur-mukha Brahma [o Senhor Brahma de quatro cabeças]. Ele é o nosso primeiro guru ."  (Srila Narayana Maharaj, Australia, 18/02/2002)

 Srila Narayana Maharaja não contradiz e, indubitavelmente, não comete a ofensa menosprezar a obra e os ensinamentos de Srila Prabhupada. Srila Narayana Maharaja tem Srila Prabhupada como seu  siksa-guru ( guru instrutor) e o reverencia como um vaisnava  senior.  Aqueles que discordam de Srila Narayana Maharaja têm todo o  direito de assim o fazer. Como os sastras demonstram, há diferentes níveis de conhecimento para diferentes níveis de consciência. O único  apelo é para que não negligenciemos tais discussões com argumentos que nada têm  a ver com os textos védicos e os ensinamentos dos acaryas . Neste sentido, o Sri Caitanya-caritamrta nos ensina como aproveitar as controvérsias a fim de fortalecermos nosso apego por Sri Krsna:

 siddhanta baliya citte na kara alasa
iha ha-ite krsne lage dudrdha manasa

 Um estudante sincero não deve negligenciar a discussão de tais  conclusões, considerando-as controvertidas, pois tais discussões  fortalecem a mente. Assim, nossa mente se apega a Sri Krsna.  (Adi-lila, 2.117)

 Por outro lado, ao se verificar que alguns insistem em apelar para argumentos que não se reportam aos sastras , mas aos cânones acadêmicos tradicionais, cabe advertir os devotos que se  resguardem de dar maior credibilidade a tais declarações. Principalmente porque são baseadas em argumentos, a exemplo do que acontece na carta de Purushataya S., que não resistiriam a críticas de um estudante universitário melhor preparado, além de estarem em completo desacordo com toda a filosofia védica.

 Em outra ocasião pode ser que debatamos sobre conceitos como "dúvida dialética" ou "paranóia - com base na situação psicológica  de um dissidente". Por enquanto, concentremo-nos em averiguar temas como  krsna-tattva (verdade sobre Krsna), afinal, não sabemos quando iremos abandonar este corpo e pode ser que até lá não tenhamos conquistado  serviço devocional suficiente que nos garanta, nem mesmo, um próximo nascimento  em um corpo de devoto.

 Não temos muito tempo... para esforços mentais desnecessários e discussões inúteis. Todos ansiamos por serviço aos pés  de lótus de Sri Krsna, esta é a função eterna e constitucional de todas as jivas (entidades vivas), só não sabemos ainda como chegar a este patamar e nos mantermos nele.

 Mesmo o Senhor Brahma, instrutor de todo o universo, orou humildemente ao Senhor Krsna para obter serviço aos Seus pés de lótus:

 tad astu me natha as bhuri-bhago
 bhave 'tra vanyatra tu va tirascam
yenaham eko 'pi bhavaj-jananam
bhutva niseve tava pada-pallavam

 

Meu querido Senhor, suplico-vos a fortuna de que nesta vida como Senhor Brahma ou em outra vida, onde quer que eu nasça, possa ser incluído entere um de Vossos devotos. Oro para que, onde quer que eu esteja, mesmo entre as espécies animais, possa ocupar-me no serviço devocional a vossos pés de lotus.  (Srmad Bhagavatam, 10.14.30)

 Logo, somos muito afortunados por termos sido agraciados com este nascimento e com a rara oportunidade que temos de buscar a associação de um sad-guru ( guru verdadeiro). Conforme demonstram as escrituras e todos os acaryas reconhecidos, somente sob as instruções de um guru fidedigno alguém pode atravessar este oceano de nascimentos e mortes da existência material.  Sri Caitanya Mahaprabhu é o concessor do mais elevado amor por Sri Krsna e seguindo fielmente suas instruções, cuja essência nos foi dada por Srila Rupa Gosvami na forma do Sri Upadesamrta, facilmente iremos satisfazer os desejos amorosos do nosso mestre espiritual e serviremos  Sri Radha-Krsna em Vrindavana (a eterna morada transcendental do Senhor).

 Por isso, os gaudiya-vaisnavas nunca se satisfazem com sentimentos de opulência. E é bom que se saiba, ao contrário mais uma vez do que diz Purushatraya S. em sua carta, que Srila Narayana Maharaja e os sannyasis que o acompanham não se envolvem com a organização dos programas; que todo o serviço é a cargo dos devotos residentes em cada lugar que Srila Gurudeva e os sannyasis visitam; e que ninguém está preocupado em fazer "uma produção para impressionar" ou em reproduzir algum tipo de "clima de Vaikuntha [morada do senhor Visnu]", o que seria  rasa-abhasa (mistura de prazeres e sentimentos transcendentais).

 Os gaudiya-vaisnavas procuram se situar apenas em  madhurya-rasa (sentimento de suprema doçura e intimidade), pois desejam adquirir gopi-prema (amor puro por Krsna de acordo com o humor das gopis ) para servir a Radha e Krsna na morada transcendental de Goloka Vrindavana. Este é o sentimento de Sri Caitanya Mahaprabhu e é  o néctar com o qual Srila Prabhupada nos presenteou ao apresentar o Sri Caitanya Caritamrta ao Ocidente:

 "Embora todas as rasas estejam situadas na plataforma transcendental, a madhurya-rasa é a suprema doçura tanscendental. Daí, deduz-se que a adoração a devotos ocupados a serviço do Senhor em madhurya-rasa é a atividade espiritual suprema. Sri Caitanya Mahaprabhu e Seus seguidores basicamente adoraram o Senhor Krsna em  madhurya-rasa ." (Sri Caitanya-caritamrta, Madhya-lila, 11.31 - comentário)

 Finalmente, fica o convite para que sejam cessadas as animosidaes entre os irmãos vaisnavas ou que, pelo menos, havendo discordâncias, elas sejam apresentadas à luz dos sastras . De modo que as opiniões não despontem como entraves, encobrindo as doçuras dos bons frutos de bhakti .

 Haja visto não serem muito apropriadas, por exemplo, certas declarações, por parte de devotos que se esperava estivessem mais esclarecidos, dizendo que as pessoas que tomam abrigo espiritual de Srila Narayana Maharaj cultivam um sentimento anti-ISKCON como "parte de sua religião", enquanto é sabido que algumas destas mesmas pessoas têm  sofrido retaliações por terem tomado esta associação. Da mesma forma, não são apropriadas as acusações dos que apontam que Srila Narayana Maharaja e os discípulos que o acompanham estão engajados em obstinada campanha para "arrebanhar devotos da ISKCON".

 Por certo todos temos muito zelo e amor no trato com os animais, com as vacas principalmente, mas não exageremos ao ponto de tratarmos uns aos outros como gado. Nem como dissidentes ou revanchistas, movidos por algum "tipo de prazer pervertido" ou pela necessidade de  "ferir seus ex-companheiros" como forma de obter algum "conforto mental".

 Além do mais, Srila Narayana Maharaja não incentiva nenhum devoto a abandonar o seu guru , apesar de sabermos que existem injunções védicas que não só permitem como recomendam, em alguns casos específicos, que um determinado guru seja abandonado e que se busque abrigo em outro mestre espiritual. O que Srila Gurudeva não se nega é a dar  siksa (instrução), esta é a tarefa da vida de um acarya , e todos os que buscam sua associação assim o fazem porque sentem nele potência suficiente para guiá-los no caminho da vida espiritual, ninguém é coagido a tomar esta atitude.

 Por último, um apelo para que ninguém encare como provocação a simples presença física de algum discípulo de Srila Narayana Maharaja, ou discípulo de qualquer outro mestre espiritual, nas dependências ou proximidades dos locais onde acontecem os programas que são promovidos sob a direção institucional da ISKCON. Não só porque somos todos irmãos espirituais, mas também porque devemos ter o devido respeito para com as pessoas que, apesar de terem circunstancialmente tomado abrigo com diferentes mestres espirituais ou religiões, compartilham laços de cosangüinidade e amizade com os devotos que freqüentam regularmente os programas da ISKCON.

 Que a presença de Srila Narayana Maharaja na Fazenda Vrajabhumi também não seja tomada como um afronte planejado. Afinal, todos têm o direito de ir e vir , e, além do mais, Srila Narayana Maharaja  apenas  atendeu ao convite de um devoto que é discípulo seu e que tem propriedade na fazenda. Nada que comprometa a "noção de civilidade" não só de um  vaisnava mas de qualquer pessoa.  Lembremos que Srila Narayana Maharaja e Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) sempre estiveram mutuamente engajados em serviço devocional amoroso e que Srila Narayana Maharaja, apesar de ter tomado  sannyasi mais cedo, sempre reverenciou Srila Prabhupada como devoto senior.  Aliás, Srila Narayana Maharaja acolheu Srila Prabhupada, quando este renunciou à vida de chefe de família, e o trouxe para viver  com ele na Kesavaji Gaudiya Matha em Mathura, dando, mais tarde, assistência  "as pregações de Srila Prabhupada em Jhansi, no começo dos anos 50. Período  no qual Srila Prabhupada comprou uma grande deidade de Sri Caitanya  Mahaprabhu que ele utilizava, na época, em suas adorações e pregações; deidade que, pouco antes de Srila Prabhupada partir para o Ocidente, foi instalada na Sri Kesavaji Gaudiya Matha, onde tem sido adorada até hoje.

 Srila Narayana Maharaja também preparou a danda de Srila Prabhupada e o instruiu sobre como utilizar as vestimentas de  sannyasi, e juntos trabalharam na publicação e distribuição de livros e revistas devocionais. É o caso dos três primeiros volumes do Srimad-Bhagavatam que Srila Prabhupada trouxe consigo para o Ocidente.  Muitos foram os textos originais da literatura védica que, pelas mãos de Srila Narayana Maharaja, chegaram por correio a Nova York e somam mais de 300 as cartas que Srila Prabhupada mandou para Srila Maharaja.  Quando Srila Prabhupada desembarcou no aeroporto de Delhi, em 1967, acometido por problemas de saúde, Srila Narayana Maharaja foi o único a recebê-lo e a dar abrigo aos jovens  discípulos que o  acompanhavam. Mesmo em contendas jurídicas, envolvendo familiares de Srila Prabhupada - herdeiros diretos que visavam tomar propriedades da ISKCON -, Srila  Narayana Maharaj tomou parte defendendo a obra deixada por Srila Prabhupada.  O que dizer, então, do papel desempenhado por Srila Narayana Maharaja e para o qual ele fora especialmente designado, na época  em que Srila Prabhupada abandonava o corpo material?

 Será que Sri Srimad Bhaktivedanta Narayana Maharaja não merece que o respeitemos da mesma maneira que Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) o respeitava? Quem será tão qualificado a ponto de ter melhor discernimento do que Srila Prabhupada?  Os sastras alertam sobre os que insistem em ver no mestre espiritual aspectos de uma existência ordinária e os compara ao banho do elefante, que após ser limpo com água busca poeira e lama para se refrescar:

 yasya saksad bhagavati
 jnana-dipa-prade gurau
 martyasad-dhih srutamtasya
sarvam kunjara-saucavat

O mestre espiritual deve ser considerado como sendo diretamente o Senhor Supremo porque ele dá o conhecimento transcendental que ilumina. Consequentemente, para todo aquele que defende o conceito  material de que o mestre espiritual é um ser humano comum, tudo acaba fracassando. Sua iluminação e seus estudos e conhecimento védico são como o banho do elefante.  (Srimad-Bhagavatam 7.15.26)

 Não percamos, nem por um momento, a fé nas escrituras e nos ensinamentos que os acaryas legaram para nós, senão nossas vidas serão um completo fracasso. Aproximemo-nos de forma humilde e submissa de um mestre espiritual fidedigno, alguém que seja um vaisnava plenamente qualificado, para inquerir sobre a verdade absoluta e a meta última da vida.

Abandonemos todas as contendas que anulam o desenvolvimento de bhakti e que, por fim, só destroem o nosso apego por Sri Krsna.  Que a missão gaudiya-vaisnava ultrapasse as fronteiras da ignorância, espalhando por toda a parte este maravilhoso cantar dos santos nomes de Deus, sem a contaminação de concepções  próprias e sob a guia da autoridade do Senhor Gauranga.

 Esta é a verdadeira Consciência de Krsna, pregada tanto por Srila Bhaktivedanta Swami (Srila Prabhupada) como por Srila Narayana  Maharaja e todo guru-parampara , e é a esta Consciência que devemos nos submeter:

"(...) todo filósofo tem uma opinião diferente, porque, sem apresentar uma tese diferente, ninguém pode tornar-se um filósofo famoso. Por isso, é difícil chegar à conclusão correta. A conclusão é, (...), aceitar o julgamento da autoridade. Nós seguimos a autoridade do Senhor Caitanya Mahaprabhu, que não é diferente de Krsna, e Sua versão segundo a escritura védica é que nesta era este canto é a única solução para todos  os problemas da vida." (Srila Prabhupada, A Ciência da Auto-Realização)
 

"Alguém me perguntou: 'Qual é a sua missão? O que você nos veio dar?'. Minha missão é a mesma do Senhor Caitanya e dos acaryas em Sua sucessão discípular. Nossa missão é dar amor e afeição a todas as entidades vivas, independentemente de casta, credo ou qualificação. A  forma mais  perfeita e elevada de amor e afeição é o serviço em relação a Krsna  no humor dos residentes de Vraja. Nós estamos dando esta mais exaltada forma de amor e afeição para aqueles que quiserem, e para os que estiverem qualificados para isso. Mas você deve reconhecer que se alguém tem verdadeiro amor e afeição por Krsna, a Suprema Personalidade de Deus,  esta pessoa também deve ter amor e afeição por todas as entidades vivas.  (...).

Alguém que tem amor e afeição por Krsna tentará satisfazê-Lo demonstrando amor e afeição a todas as entidades vivas."  (Srila Nrayana Maharaja, Happiness in a Fool's Paradise)  Que não sejam tomadas como ofensas as palavras aqui proferidas, pois fazem parte de um pequeno esforço para que tenhamos  alguma inteligência ao abrigarmos a semente de bhakti em nossos corações. Sem o que, acabaremos por nos ocupar com falsas polêmicas e com atividades desnecessárias para as quais não temos muito tempo...

 Rio de Janeiro - RJ
Gaura Purnima
18 de março de 2003
 Humildemente ao dispor dos devotos,
 

Mangala Nilay dasa,
Basanti devi dasi,
 Madhava Priya.
 

HARE KRSNA