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Guardiões da Devoção
1974
COMPROMISSO DO CORAÇÃO
Todos os domingos por volta das 12:00, era certo os devotos estarem na Cobal do Humaitá para pedirem doações de fruta, vegetais e flores que seriam utilizadas na festa. As doações eram muito importante e os devotos costumavam ir de barraca em barraca pedindo.
Para nós, que não estávamos acostumados, era uma experiência nova, especialmente diante da boa vontade dos barraqueiros que inclusive guardavam em local já previamente combinado, o que seria doado, outros entretanto viam na nossa solicitação a oportunidade de se livrar de frutas já quase passadas, nos, não recusávamos nada.
Entre uma japa e outra prosseguíamos naquele esforço.
Um dia me pediram para fazer uma preparação e ante a grande quantidade de aipim (ou como dizem no norte nordeste mandioca ou macaxeira) resolvi fazer uma torta de aipim, fui ao mercado comprei leite de coco, açúcar e manteiga e depois de lavar bem o aipim, descasca-lo, cortei-o e o cozinhei até ficar bem macio. Depois amassei coloquei manteiga, leite e coco e açúcar levando ao forno depois.
Fiquei muito orgulhoso quando observei minha dileta preparação ser levada para o altar, onde seria oferecida a Srila Prabhupada e a Krsna ao som de Atabaques, Chocalhos, Karatalas e Guitarra tocada pelo Augusto, que também puxava o coro. Alguns devotos dançavam, outros entretanto permaneciam sentados e batiam palmas.
A preparação foi um sucesso e depois disso sempre era convocado para repeti-la. Naquela época o acesso a cozinha era livre e qualquer pessoas que estivesse medianamente limpo e podia exercitar seus dotes culinários.
Um dia, depois dos mantras, observei que um dos convidados tinha recusando o prato de prasada. Curioso, me aproximei dele e indagando porque não queria prasada, ele me revelou que gostava muito de prasada, mas sempre que tinha uma preparação de aipim ele preferia não comer, porque não gostava dela.
Tal fato foi um balde de água fria nos meus brios culinários, mas percebi que teria que, de um lado providenciar um prato sem aipim para ele e de outro baixar minha bola para aprender a respeitar o gosto de terceiros, entendo que era muito difícil agradar a todos.
O Templo tinha programas regularmente todos os dias de manhã e a noite, quando então era oferecido leite e frutas que em seguida era distribuída entre os presentes (o oferecimento era exatamente o mesmo do descrito acima).
De vez em quando, os devotos resolviam ir fazer sankirtana na praia (Sankirtam no seu sentido próprio – Cantar Hare Krsna), normalmente isso acontecia na praia do leme em frente ao Othon Hotel, (acho que atualmente tem outro nome) ou seja na esquina da Avenida Princesa Isabel.
Outras vezes o Russel era convidado para dar palestras em Instituições Religiosas ou Escolas Místicas, onde as palestras explicativas acerca do sentido existencial da alma e a Consciência de Krsna iluminava as vidas das pessoas dando um propósito as próprias praticas espirituais ensinadas nas instituições ou do próprio conceito elementar de Yoga, e no mais das vezes estabelecia um parâmetro essencial para os esforços ali desenvolvidos.
Houveram momentos, entretanto, que, já naqueles dias surgiam as oposições, como foi o caso do que aconteceu na Escola do Professor De Rose, na época estabelecido em Copacabana, que, acabou se tornando antagônico aos Devotos, por não poder impedir que quase todos seus alunos aderissem ao Movimento Hare Krsna, como foi o caso da Ana.
Importante frisar que, já na época, o Prof. De Rose tentava estabelecer seus conceitos particulares de Yoga, com praticas hibridas derivadas do sistema óctuplo de Yoga de Patanjali e aparentemente nada mais era que uma mistura de Hatha Yoga, RajaYoga e para as alunas mais avançadas Tantra Yoga destorcido, com insistente e inútil ênfase a pronúncia da palavra Yoga, que como objeto de marketing não deveria ser pronunciada YOGA e sim o YÔGA, com o “o” fechado, abstraindo-se o que poderia ser dito acerca da palavra Yoga propriamente dita, ou seja União entre o ser vivo e Deus, assim como Religião que deriva de “religare” ou reunião do homem com Deus.
O Sr. De Rose, mais ou menos que desmascarado em suas atividades, desde então, passou a ser enérgico combatente dos devotos, criticando abertamente adoração de Deidades, a Bhakti Yoga, o último estágio do sistema de Patanjali, no que pese ter sido instituído nessa fase a adoração das Deidades e de tudo mais que envolvia esse avançado e milenar conceito de União do Homem com o Supremo.
Russel, apesar de um simples Bhakta, tinha plena consciência do que estava fazendo e passava clara e abertamente para os devotos que, Srila Prabhupada era o líder do Movimento Hare Krsna, mas ele e Siddhaswarupananda nada tinham a ver com a instituição que havia sido criada em torno de Srila Prabhupad a Iskcon.
Russel e Siddhaswarupananda, americanos do Hawai, não concordavam com o tom impessoal, arrojado, mercantilista e até agressivo no estilo “capitalismo selvagem empresarial” que a Iskcon deixava transparecer nas suas atividades e até aparentemente incentivava.
Eles entendiam que a Consciência de Krsna não devia ser tratada como uma empresa onde a concorrência por cargos mais altos justificavam atos claramente incoerentes com a própria essência do que Srila Prabhupada ensinava.
Ele, o Russel, sempre alertava contra os devotos da Iskcon, advertindo que eles fariam qualquer coisa para ter mais poder e dinheiro, inclusive, se necessário fosse, pisar na cabeça dos que estivessem na frente para ficar mais visível. Para eles, dizia Russel, o conceito de avanço era distorcido, dando muito mais ênfase ao resultado econômico das atividades.
Sabíamos que era importante o resultado econômico, visto que finanças saudáveis possibilitavam o implemento de vários outros trabalhos devocionais, mas não devíamos esquecer que mais importante que apresentar resultados financeiros, era estarmos situados apropriadamente num padrão de consciência de Krsna que nenhum dinheiro do mundo podia nos dar, poderia até ajudar, mas o esforço e o resultado seriam internos.
Naquele momento aprendíamos à alegria da Consciência de Krsna dentro da liberdade dos conceitos meramente institucionais, tanto que posteriormente tivemos oportunidade de vivenciar sankirtana sem abrigo de uma estrutura física, como comentaremos mais adiante.
A casa de Santa Tereza era muito acolhedora, Bhaktim Maria (Mãe Maha Yoguesvara) magrinha e sempre sorrindo era eficiente e silenciosa nas preparações, Druvananda sua esposa Tulasi e seu Filho Karnapur, de vez em quando vinham de salvador, local onde tinham siso designado ficar e pousavam no templo, assim como Brsni e sua esposa que inicialmente estavam em São Paulo e depois foram para Recife e tantos outros, como Lúcio Valera (lokasashi), que muito eficientemente limpava o chão do templo.
As aulas de Druvananda, já em português "mal fluente", explicava a importância de evitar as drogas que apesar de elevarem o nível de consciência material por determinado período jogava o usuário num ciclo interminável de angustia, revelando que o cantar da Japa poderia transpor o nível de Consciência Material abrindo as portas de níveis superiores e o entendimento advindo desta visão.
Um senhor que freqüentava o templo me presenteou com um Bhagavad Gita de Srila Prabhupada em Inglês obtido numa livraria da rua Senador Feijó, no centro do Rio de Janeiro. Era um bom amigo e ele não fazia idéia de como estava agradecido com aquele presente, até hoje não sei porque fui merecedor daquele lembrança, mas certamente jamais serei capaz de lhe retribuir.
Um certo dia, Russel teve problemas com a Policia e foi dado prazo para que ele fosse embora do Brasil.
Ele tinha que devolver a casa – o Templo de Santa Tereza estava acabando, e não teríamos mais onde nos encontrar, grande tristeza e insegurança se abateu sobre nós.
Rapidamente começamos a nos organizar tentando conviver com o fato de não ter mais uma casa onde poderíamos nos reunir.
Russel deixou os Karatalas sob os meus cuidados e os devotos dali para frente teriam dia e hora para se encontrarem. O dia era todos os Sábados, sempre na parte da tarde o local era a praia do Leme em Copacabana em frente ao Othon Palace Hotel na esquina da Avenida Princesa Isabel.
Aquele local, diante da praia passaria a ser nosso templo, nosso lugar de adoração, onde estaríamos glorificando Sri Caitanya Mahaprabhu.
A Praia do Leme já havia anteriormente escolhida como ponto de encontro dos devotos, local muito apreciado na parte da tarde pela vista e frescor do mar, era sem dúvida nenhuma muito acolhedor ao cair da tarde, depois dos dias de Calor muito comuns no Rio de Janeiro.
Mal tínhamos idéia dos dias de frio e chuva que viriam.
Numa das vezes que estávamos cantado na praia tive que ir embora e por solicitação do Luiz deixei os Karatalas que me haviam sido confiados pelo Russel, foi a última vez que vi aquele instrumento, segundo ele,o Luiz, os mesmos tinham sido esquecidos na praia.
Paralelamente aos encontros na praia, que ficaram cada vez mais rareados em razão dos dias de chuva e frio que se davam com uma constância maior que a normal, ou pelo menos percebíamos, tínhamos, como alternativa a possibilidade de nos encontrar em pequenos grupos. Romen tinha como costume pelo menos uma vez por semana ir cantar o maha mantra na Rua. Ele seguia andando e sempre que me chamava ia com ele. Saíamos da Real Grandeza passávamos por Copacabana, Ipanema, Gávea chegando pelo Jardim Botânico, Parque lage e Humaitá.
Também, uma outra alternativa era o sitio do Cláudio (Catur Murti) em Pose, cidade depois de Petrópolis. Bhakta Cláudio, cabelos e barba vastos, roupas amarrotadas, era um Yogue propriamente dito, daqueles que praticam asanas despidos as quatro horas da manhã com um frio de 0º (zero graus). Era uma pessoa bastante austera, pouca alimentação, voz pausada, passos pensados, mas mesmo assim, seria, na falta do Russel, aquele que olharia para frente em direção ao progresso. Hoje em dia, esse velho companheiro e amigo, depois de voltar da Índia de maca com fedre tifóide e ameba infecciosa, por ter viajado de carro de boi pela Região de Mayapur, fazendo Sankirtana, se afastou, e a última noticia que tenho dele é que se formou em psicologia, tinha se casado e aberto um consultório na Rua Alfredo Chaves, no Humaitá, Botafogo, em frente a Cobal.
A primeira vez fomos na Casa de Cláudio, nos perdemos de tão longe que era. Como ninguém tinha carro, fomos de ônibus. Ingênuos, chegamos em Pose já escurecendo e, apesar de termos um mapa, desconhecíamos o significado da palavra "bifurcação" e depois de tentar por horas achar o sitio do Cláudio chegamos a conclusão de que estávamos perdidos e tivemos que dormir num curral.
Ao amanhecer descobrimos que o local que ficava o Sitio do Cláudio era de difícil acesso, ficava a 12 Km em estrada de terra, por onde não passava transporte regular. Foi uma aventura. Bons momentos para cantar Japa e confiar no Guru.
Finalmente Lá chegamos, depois de subir morro e descer morro, não podíamos ignorar a intenção do Cláudio se afastar da humanidade. No local já estava lúcio (lokashasi) que aparentemente tinha ido morar no local, assim como outros devotos que já tinham chegado.
Essas reuniões eram possíveis durante feriados, e só então percebíamos quão importante eram aquelas raras oportunidades de nos associar e cantar os santos nomes, tomar prasada e ler o Gita, cada um tinha que entrar com uma parte, nada era fácil, mas era fruto da mais pura espontaneidade e isso tinha valor.
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